👁️ EDIÇÃO 4 - Julho 2025

O Novo Perfil dos Pacientes com Catarata e o Impacto na Cirurgia

Um estudo recente e bem completo, que analisou mais de 25 mil olhos de pacientes com catarata no sudoeste da China entre 2020 e 2023, trouxe à tona mudanças importantes nas características das pessoas e dos olhos que impactam diretamente a cirurgia de catarata e a escolha das lentes intraoculares. *As principais tendências que o estudo notou, e o que elas significam na prática, são:

  • Pessoas com catarata estão ficando mais jovens: A idade média dos pacientes com catarata está diminuindo. Na pesquisa de 2020 a 2023, a média de idade foi de cerca de 63,84 anos, enquanto em um estudo anterior (de 2011 a 2014) no mesmo hospital, a média era de 68,58 anos. Isso mostra que hoje em dia há uma busca maior por cirurgias que melhorem a visão e a qualidade de vida das pessoas.
  • Mais casos de alta miopia: A quantidade de pacientes com alta miopia cresceu. No total, quase 20% dos olhos estudados tinham essa característica. A porcentagem de olhos com comprimento axial maior que 26,5 milímetros subiu de 13,66% para 17,15% e a de olhos com mais de 28 milímetros foi de 9,29% para 11,28% se compararmos com o estudo anterior.
  • Mais pessoas que já fizeram cirurgia refrativa: A quantidade de pacientes com catarata que já tinham feito alguma cirurgia refrativa no passado cresceu bastante, indo de 1,31% em 2020 para 1,99% em 2023. Esses pacientes, por sinal, eram bem mais jovens (com uma média de idade de 52,18 anos) do que aqueles que nunca tinham feito (média de 64,04 anos). As cirurgias refrativas mais comuns entre eles LASIK (46,23%), seguida pelo PRK (31,60%) e pela ceratotomia radial (19,10%). Vale notar que alguns (2,30%) até fizeram duas cirurgias diferentes no mesmo olho.

Na prática: O problema é que cirurgias refrativas alteram a ceratometria, e isso dificulta muito o cálculo do grau certo da lente intraocular. Por isso, é fundamental que as fórmulas sejam melhoradas para levar em conta essas cirurgias prévias.
  • Mudanças na biometria de quem já passou por cirurgia refrativa: Pacientes que fizeram cirurgia refrativa no passado têm características biométricas diferentes de quem não fez. A espessura central da córnea, por exemplo, era bem maior em quem fez ceratotomia radial, mas mais fina em quem fez PRK ou LASIK.
  • Mulheres são a maioria: Mais da metade dos pacientes com catarata eram mulheres (58,04%). E mais: as mulheres tinham uma chance bem maior de já ter feito cirurgia refrativa (67,97% delas, contra 57,87% dos homens sem histórico).
  • Astigmatismo: foram encontrados mais pacientes com astigmatismo acima de 0,75 dioptrias em quem já tinha feito cirurgia refrativa (60,14%) do que em quem não tinha (51,33%). A cirurgia refrativa pode mudar a curvatura da córnea e o jeito que o astigmatismo se distribui, aumentando a proporção de astigmatismo oblíquo e "contra a regra", e diminuindo o "a favor da regra". A ceratotomia radial, especialmente, é famosa por causar astigmatismo (tanto regular quanto irregular), e os pacientes que fizeram esse tipo de cirurgia tiveram um astigmatismo bem mais acentuado.
  • Na prática: Como o astigmatismo está cada vez mais comum, há uma necessidade de lentes intraoculares tóricas com uma gama maior de dioptrias.

Para resumir e aplicar na prática:

Os resultados do estudo deixam claro que os pacientes com catarata estão ficando mais jovens e têm mais chances de apresentar alta miopia e de já ter feito cirurgia refrativa. Por isso, oftalmologistas e fabricantes de lentes intraoculares precisam se atentar a essas mudanças nas características da população e dos olhos para que as cirurgias tenham os melhores resultados possíveis. Isso implica que precisamos de métodos mais exatos e confiáveis para calcular a dioptria da lente intraocular e, quem sabe, de lentes ainda melhores para corrigir alta miopia e astigmatismo. É essencial, também, modernizar a maneira como os pacientes são informados, tratados e como suas expectativas são alinhadas, principalmente os mais jovens que já fizeram cirurgia refrativa, pois eles geralmente esperam uma qualidade de visão muito alta e querem se livrar dos óculos.

Referência Bibliográfica:

Mu, J., Xu, F., Guo, W. et al. Updated study on demographic and ocular biometric characteristics of cataract patients indicates new trends in cataract surgery. Sci Rep 15, 17289 (2025). https://doi.org/10.1038/s41598-025-02311-5

Nanoemulsão de insulina no tratamento do olho seco em Sjögren

Na oftalmologia, a doença do olho seco representa um desafio clínico persistente, especialmente em condições sistêmicas como a síndrome de Sjögren. Caracterizada por uma diminuição acentuada na produção de lágrimas e um processo inflamatório na superfície ocular, essa condição frequentemente resiste a tratamentos convencionais, como as lágrimas artificiais, que, embora aliviem os sintomas, nem sempre abordam a causa subjacente da disfunção lacrimal. Essa lacuna terapêutica impulsiona a busca por abordagens inovadoras.

Uma linha de pesquisa promissora tem explorado o potencial da insulina aplicada topicamente. Surpreendentemente, receptores de insulina foram identificados na superfície ocular e na glândula lacrimal, e a própria insulina foi detectada nas lágrimas, sugerindo um papel homeostático crucial para essa molécula nesses tecidos. Estudos pré-clínicos e clínicos anteriores já haviam demonstrado efeitos cicatrizantes da insulina tópica em lesões corneanas. O desafio, no entanto, sempre foi a baixa biodisponibilidade desse componente na superfície ocular.

Para superar essa barreira, foi desenvolvida uma formulação de nanoemulsão, visando otimizar a penetração e retenção no tecido ocular. As nanoemulsões são sistemas de entrega versáteis que não apenas aumentam a estabilidade e a entrega de proteínas terapêuticas, mas também atuam como estabilizadores do filme lacrimal, restaurando sua camada lipídica, que frequentemente está comprometida na doença do olho seco. A estratégia da insulina nessa formulação é apoiada por suas propriedades pró-mitóticas, antioxidantes e anti-inflamatórias, e a aplicação local minimiza potenciais efeitos colaterais sistêmicos.

O artigo em foco relata os achados de um ensaio clínico randomizado de fase I/II, duplo cego e controlado, desenhado para avaliar a segurança e a eficácia de uma nanoemulsão de insulina (0,7 mg/mL ou 20 UI/mL) no tratamento do olho seco em pacientes com síndrome de Sjögren primária. Esta é a primeira investigação a explorar o uso de nanoemulsão de insulina tópica para a doença do olho seco especificamente nessa síndrome. A decisão de incluir apenas mulheres foi estratégica para homogeneizar a amostra, dada a complexidade multifatorial da doença do olho seco e a heterogeneidade das manifestações da síndrome de Sjögren.

Os pacientes foram orientados a aplicar uma gota em cada olho, três vezes ao dia, por 30 dias, mantendo seus lubrificantes habituais. A adesão ao protocolo foi rigorosamente monitorada pelo peso dos frascos.

Inicialmente, 32 pacientes foram randomizados, com 23 completando o estudo (10 no grupo da insulina e 13 no grupo do placebo).

Os resultados do estudo trouxeram insights importantes:
  • Perfil de Segurança Favorável: O achado mais consistente e encorajador foi a segurança da nanoemulsão de insulina a 20 UI/mL. Não foram relatados eventos adversos clinicamente relevantes, e não houve diferença estatisticamente significativa na pressão intraocular entre os grupos. O único efeito colateral que diferiu significativamente entre os grupos foi a visão embaçada, predominantemente no grupo da insulina. No entanto, este sintoma foi descrito como de intensidade leve e limitado ao período imediatamente após a aplicação das gotas.
  • Resultados de Eficácia Inconclusivos: Embora ambos os grupos tenham demonstrado melhora significativa nos sintomas e sinais objetivos (pontuações de coloração com Lissamina Verde) após o tratamento (p < 0.05), não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o grupo da insulina e o grupo do placebo para a produção de lágrimas (teste de Schirmer I), coloração corneana com fluoresceína, coloração conjuntival com Lissamina Verde, ou tempo de ruptura do filme lacrimal.
  • Adesão ao Tratamento: Um aspecto digno de nota foi a adesão significativamente maior ao protocolo observada no grupo da insulina (70,0% de uso apropriado) em comparação com o grupo do placebo (15,38%). Essa disparidade na adesão, embora não diretamente relacionada à eficácia da insulina em si, destaca os desafios inerentes à pesquisa e ao tratamento do olho seco na prática clínica, onde a complacência do paciente é um fator crítico para o sucesso terapêutico.

Perspectivas e Próximos Passos na Pesquisa:

A ausência de uma diferença estatisticamente significativa entre os grupos, apesar de uma tendência positiva favorável à insulina, pode ser atribuída a diversos fatores. Os autores apontam a dificuldade em recrutar uma amostra maior, os rígidos critérios de diagnóstico, a variabilidade inerente aos testes de olho seco, o curto período de acompanhamento e, como mencionado, a baixa adesão ao tratamento, especialmente no grupo placebo. Adicionalmente, o potencial terapêutico intrínseco do veículo da nanoemulsão pode ter contribuído para a melhora observada também no grupo placebo, potencialmente mascarando o efeito específico da insulina.

É imperativo ressaltar que os resultados atuais não fornecem suporte para o uso generalizado e não regulamentado (off-label) da insulina ocular, uma prática que já foi observada em alguns países com doses e formulações variadas.

Para pesquisas futuras, os autores sugerem a necessidade de estudos com amostras maiores, períodos de acompanhamento mais extensos, ajustes de dose e a investigação em outros subtipos da doença do olho seco. A utilização de ferramentas mais sensíveis para avaliar as variações clínicas na superfície ocular e no filme lacrimal também será fundamental para desvendar o potencial terapêutico completo desta abordagem.

Em suma, este estudo representa um passo importante no caminho da inovação para o tratamento da doença do olho seco na síndrome de Sjögren. Embora a segurança da nanoemulsão de insulina tenha sido bem estabelecida, a sua eficácia superior ao placebo ainda requer mais investigação.

Referência Bibliográfica:

MARZOLA, M. M. et al. Insulin Nanoemulsion Eye Drops for the Treatment of Dry Eye Disease in Sjögren’s Disease: A Randomized Clinical Trial Phase I/II. Vision, v. 9, n. 3, p. 54, set. 2025.

💡A jornada da aprovação no fellowship de Retina cirúrgica no Canadá

Desde que decidi tentar, no final do R2, a ideia de conseguir uma vaga de fellowship no exterior (mais especificamente no Canadá) parecia uma realidade quase que inalcançável. Ainda assim, decidi tentar por ser uma oportunidade pessoal e profissional única.

Comecei a me preparar para esse processo seletivo no início do ano de 2024. Conversei com ex-fellows que já tinham passado por isso, pedi dicas e fui em busca de tudo que precisava. Fiz um estágio para conhecer um dos serviços e entender como tudo funcionava por lá. Quando voltei ao Brasil, tinha a certeza clara de que o fellow no Canadá era mesmo o que eu queria - mesmo que para mim parecesse improvável, afinal, eu iria concorrer com pessoas do mundo todo.

Era ano de R3 e quem já vivenciou sabe: períodos de estresse, rotina corrida, cirurgias desafiadoras, além da preparação para as provas do CBO e as do fellowship daqui do Brasil que se aproximavam.

Em outubro, recebi a mais inesperada notícia… tinha conseguido entrevistas. Em meio à rotina de R3, dividi meu foco para aulas de francês e cursos para me preparar para as entrevistas. Quase não sobrava tempo. (quantas vezes imaginei como seriam as entrevistas e ensaiei em frente ao espelho).

Enfim, fui novamente ao Canadá para realizar as entrevistas. Inclusive, uma delas foi uma semana antes da prova de fellow no BOS (o fellowship que eu mais queria passar aqui do Brasil). Estar lá de novo, conhecer pessoas de outros países, sentir o frio na barriga das entrevistas em outras línguas e viver toda essa experiência foi algo muito positivo.

Quando recebi a aprovação - "Vitreoretinal Diseases and Surgery Fellowship 2025 na Universidade McGill” em Montreal - quase não acreditei. Foram meses cheios de altos e baixos, provas de resistência que testaram meu limite. Não foi nada fácil. Mas aquela sensação de que tudo valeu a pena, de ter alcançado o que eu queria… é realmente única!

Se eu pudesse dar um conselho para quem deseja tentar, diria: aperfeiçoe o idioma (inglês ou francês) - faz toda a diferença; tente conhecer o serviço e conversar com quem já passou por isso antes, para ver se realmente é o que você quer; e por último: dedique-se ao máximo e acredite no processo.

Inicio o fellow agora em setembro. Vamos ver como vai ser essa nova fase. Logo posso compartilhar mais das minhas experiências e como é fazer um fellowship no exterior.

Dra. Beatriz Gubert Deud
● Oftalmologista pelo BOS
● Fellow de Retina Cirúrgica na Universidade McGill

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